A segunda edição do Festival da Oralidade do Algarve terminou ontem, já noite alta, com a Antiga Lota de Portimão a encher-se de gargalhadas.
Começámos pelo fim, mas é preciso recuar até ao início. Se logo no primeiro dia FOrA fomos guiados pela moura Floripes até às lendas e memórias das gentes de Olhão, no dia seguinte, os nossos guias foram outros – os antigos operários da Fábrica Feu que partilharam com os visitantes do Museu Municipal de Portimão um pouco das suas vidas com sabor a mar. A noite continuou com música e conversa. Primeiro, a Orquestra de Acordeãos da Academia de Música de Lagos, dirigida por Gonçalo Pescada, encantou a plateia com a sua mestria e com este som que diz tanto sobre a nossa região. Depois, a palavra foi passada a quem trabalha de perto com o património oral regional: Ana Patrícia Ramos (Museu Municipal de Portimão), Idalina Nobre (grupo de trabalho de Património Cultural Imaterial da Rede de Museus do Algarve) e Emanuel Sancho (Museu do Trajo de São Brás de Alportel) partilharam as suas experiências e conhecimentos.
Na quinta-feira, rumámos a Alvor de encontro às suas tradições mais profundas. Fomos apresentados às mezinhas e benzeduras, às ervas, chás e unguentos que curam tudo, de braços torcidos a mau-olhado. Já “descarregados”, pusemos mãos à obra porque havia muito milho para descascar. E durante a descasca ouviram-se cantares, histórias e até uma ou outra praga. Amaldiçoade! Resultado final: milho-rei 2 – enfado 0.
O FOrA é para todas idades. E assim se viu ao longo de todos os dias do festival. Porém, na sexta-feira, os mais pequenos tiveram um momento especialmente dedicado a eles. Começaram a tarde a brincar com as palavras, conduzidos pela terapeuta da fala Elsa Glória (Clínica ASAS) e continuaram a brincadeira com as linquintinas do Algarve, aprendendo tudo o que é possível fazer com a nossa língua e surpreendendo-se com a língua destravada de D. Leonor, Moça Nagragada de Boliqueime (associação APEOralidade).
Entretanto, na Antiga Lota de Portimão, a festa já havia começado com o Grupo Canto Renascido, conduzido pelo maestro António Vinagre. Vozes afinadas fizeram soar os cantares tradicionais do Algarve e animaram a tarde que continuou com a descoberta do projecto TASA – Técnicas Ancestrais, Soluções Actuais. Sara Fernandes (PROACTIVETUR) e Catarina Cruz (CCDR Algarve) apresentaram-nos este projecto original que alia o “saber fazer” dos artesãos algarvios e as tradições que passam de geração em geração com novas técnicas e conhecimentos capazes de elevar o artesanato a um outro patamar.
Do artesanato à fé do povo. Margarida Tengarrinha e Conceição Cruz trouxeram ao FOrA a riqueza e expressividade da religião popular enquanto elemento identitário e congregador. Foi o momento de pensar o que se vira e vivera nos dias anteriores. Depois, o palco foi ocupado pelo medronho. Os confrades desta bebida tão tradicional da região algarvia apresentaram-nos, de forma deveras original, como a apanha e a destilação do medronho é bem mais do que um processo artesanal, mas também um espaço de sociabilidade. Depois, a Confraria encheu a Antiga Lota de Portimão com os cantares que tradicionalmente acompanham a destila. A música tradicional do Algarve continuou e da serra chegámos ao barrocal. As Moças Nagragadas, bem acompanhadas, brindaram uma graciosa moldura humana com os cantares e os dizeres tradicionais de Albufeira, Paderne e Boliqueime.
A noite continuou fora. Marcelo Rio e o seu acordeão convidaram os portimonenses, e não só, a um pezinho de dança e a animação fez-se ouvir pela zona ribeirinha até por volta de meia-noite. Então, com a lua cheia, as portas da Antiga Lota abriram-se aos mitos urbanos. Trocámos histórias, mais ou menos verossímeis, num ambiente intimista. Às vezes, não é necessário ver para crer.
E chegámos ao último dia do FOrA. O sábado começou bem com as artes e ofícios tradicionais. Um simpático grupo de artesãs de Alvor mostraram-nos como se converte a palma em cestos, abanicos, alcofas e muito mais. Ao lado, o Sr. Delmiro Barros trouxe de Lagos uma arte que trata por tu: o biqueirão. Os mais atentos conseguiram aprender os truques deste petisco. Do salgado ao doce, que se diz fino, D. Encarnação e D. Prazeres, doceiras de Portimão, trabalharam o maçapão e os fios de ovos e transformaram-nos em porquinhos, cestos, espigas, e muito mais. Simplesmente delicioso!
De boca doce, o sotaque até sai melhor. A verdade é que é em algarvio que nos entendemos e Maria Alice Fernandes, Dário Guerreiro e Sérgio Brito provaram-nos que assim é. O dialecto algarvio como expressão da identidade regional que urge preservar esteve em discussão. Ficámos a saber quais as suas origens e influências e o que tem de único.
Já o sol se tinha escondido, a música voltou ao palco. Os Amigos da Figueira abriram o baile que continuou ao som do acordeão de Pedro Silva. Neste baile FOrA, muitos arriscaram agarrar no seu par e saltar para a pista. Uma noite de sábado animada que terminou dentro de portas. Sentados ou de pé, a Antiga Lota ficou a abarrotar com quem quis ouvir as anedotas de D. Alzira (de fazer corar as negras paredes) e partilhar uma amena cavaqueira com o Môce dum Cabreste. Até o Arade se riu a bandeiras despregadas com estes dois.
E assim chegou ao final mais um FOrA, com a promessa de que para o ano há mais.