Na sexta-feira passada a Teia D’Impulsos teve a liberdade de partilhar boas ideias, a partir da Casa Manuel Teixeira Gomes, na sua primeira tertúlia Teia D’Ideias que celebra os 50 anos da democracia. Com casa cheia, a conversa recaiu sobre o “Envelhecimento e Saúde Mental”.
As comemorações dos 50 anos do 25 de abril já começaram na cidade de Portimão com a primeira tertúlia dedicada a um tema da atualidade e a sua reflexão para os próximos 50 anos. No encontro de estreia estiveram à conversa Maria do Carmo Cruz, coordenadora de Saúde Mental da Região do Algarve do CHUA; Luísa Martins, presidente da Espiral de Vontades, e Iola Fernandes, diretora da Santa Casa da Misericórdia de Castro Marim.
A médica psiquiatra Maria do Carmo Cruz definiu envelhecimento enquanto “processo contínuo de modificação do organismo físico e psicológico” e saúde mental como “o bem que vem muito além da ausência de doença” existindo quando “uma pessoa consegue aproveitar todas as suas capacidades para funcionar a nível social, familiar e profissional, e ser capaz de enfrentar as situações de stress do dia a dia”.
O Algarve tem um problema grave de envelhecimento fruto de grandes discrepâncias geográficas, entre a serra e litoral, e com zonas muito isoladas, o que faz com que muitos idosos “estejam realmente muito afastados e em solidão”. Os maiores desafios são, segundo a médica, a falta de transportes e a reorganização da estrutura familiar com o núcleo de filhos e netos a afastar-se, cada vez mais, para os centros urbanos.
Maria do Carmo Cruz comenta que ainda que a pessoa não tenha qualquer doença perde capacidades durante o seu envelhecimento e que “as famílias vêem-se com grandes dificuldades com a falta de estruturas que dêem apoio” nesta área. É fundamental que as autarquias e freguesias estruturem esse tipo de ajuda e que os idosos tenham acesso a ele a partir das suas terras, sem terem de se deslocar para longe. “O ideal é termos estruturas para atuar o mais precocemente possível” através das mais diversas sinergias, sustenta.
Já o envelhecimento ativo significa “vivê-lo com a maior saúde possível”, arranjando estratégias para enfrentar o stress e “eventos de vida negativos como as dificuldades económicas, as perdas de emprego e as mortes”.
Além da alimentação saudável, com a dieta mediterrânica, de um sono reparador e do exercício físico, Maria do Carmo Cruz realça que “o nosso cérebro agradece que tenhamos bons relacionamentos sociais, boas relações com a família, e que tenhamos momentos de prazer”. Algo tão simples como ir ver o mar faz o cérebro segregar substâncias positivas como a dopamina e reduzir o cortisol, que causa o stress. A médica psiquiatra conclui: “É fundamental que saibamos envelhecer com saúde, tal como saibamos ser jovens e adultos com saúde mental.”
Retardar o envelhecimento na serra algarvia |
O voluntariado é também uma das estratégias, realçadas pela médica, que contribui para a nossa saúde mental. E foi assim que nasceu a Associação Espiral de Vontades, em 2011, em Monchique. A sua fundadora, Luísa Martins, conta que o grupo de amigos começou a recolher tampinhas (de plástico, caricas e rolhas) para reciclagem e, com esse gesto, adquirir cadeiras de rodas para crianças com diversidade funcional de toda a região do Algarve. Em seguida, criaram a Loja Social que apoia pessoas carenciadas.
A Espiral de Vontades construiu, em Monchique, a única sala de neuro estimulação (Snoezelen) aberta ao público no Algarve com fisioterapia, psicomotricidade, terapia da fala, massagem terapêutica e nutrição. Neste momento, através do PDR2020 Renovação de Aldeias, a sala está a ser ampliada para poder oferecer ainda mais terapias. Luísa explica que naquele espaço “podemos fazer terapia ou estimulação sensorial também com pessoas saudáveis para que não percam a sua memória”.
Em adição, existe o projeto “Idosos em Movimento” através do qual a Associação percorre as freguesias do concelho de Monchique para sessões de fisioterapia e psicomotricidade de forma a “retardar a falta de mobilidade” da população envelhecida.
A enfermeira atenta que “há locais difíceis de chegar e pessoas que viveram tanto tempo em isolamento, sempre ocupadas na agricultura e a cuidar dos animais, que depois não fazem fazer mais nada” nos tempos de lazer, sendo importante criar atividades que vão ao encontro dos seus interesses. Em Abril a Espiral de Vontades apresenta a maior bota feita em crochê do mundo. Luísa Martins sublinha que “este é um bom exemplo de uma terra pequena onde se consegue retardar o envelhecimento”.
As demências vão aumentar exponencialmente |
Em Maio do ano passado a Santa Casa da Misericórdia de Castro Marim inaugurou a única estrutura residencial para doentes com Alzheimer e outras Demências do Algarve e Alentejo. A sua diretora, Iola Fernandes, partilhou que tudo começou há 10 anos atrás quando “fomos percebendo que a percentagem de população com demência que nos chegava era cada vez maior” e que “a forma como os lares tradicionais se organizavam não respondia de uma forma eficaz” à problemática.
A Estrutura Residencial “José Cabrita” tem capacidade para 70 doentes em internamento e 20 doentes em regime de centro de dia e, de momento, está sem vagas disponíveis. A maioria dos doentes são do Barlavento algarvio mas chegam outros de várias partes do país e até estrangeiros. A diretora técnica afirma que: “Foi muito audaz uma pequena instituição, num pequeno concelho, lançar um projeto que serve toda a região. Tivemos de nos reinventar, perceber mais sobre demências.”
Iola Fernandes assegura que com o envelhecimento populacional as demências vão aumentar exponencialmente e “não podemos ter a ilusão de que existem respostas sociais para toda esta população, pelo que vamos ter de dar meios às pessoas para viverem no seu ambiente natural e respostas especializadas, o internamente, apenas para os casos mais difíceis”.